sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Charles Stross

Enquanto autores do ‘primeiro time’ da alta literatura, como Roth, Coetzee e congêneres, são traduzidos tão logo saem lá fora, escritores de ficção científica e fantasia que não sejam fenômenos extradimensionais de venda demoram anos – décadas em alguns casos – para ganhar uma edição tupiniquim.
Espero estar errado, mas dificilmente você vai ler, nos próximos cinco anos, algum livro de Charles Stross editado no Brasil. Daí que você também tem todo direito de perguntar: Charles-quem? Explicamos. Ele é o inglês que tomou de assalto a literatura do gênero no começo da década e papou tudo quanto foi prêmio há dois anos com o romance Acelerando.
Stross, como a maioria dos escritores de sci-fi e fantasia, começou publicando em revistas especializadas para depois chegar às grandes editoras. Essa foi a trajetória de The Atrocity Archives, publicado em capítulos na revista Spectrum SF entre 2001 e 2002. A história chamou a atenção para o trabalho do autor e saiu em livro em 2004, dando aquele empurrãozinho na carreira de Stross.
The Atrocity Archives apresenta-nos ao herói Bob Howard, um geek viciado em computação que por acaso descobre equações e linguagens de programação perigosas demais para se sair por aí rodando no notebook e acaba envolvido na alta espionagem do ocultismo, com suas agências internacionais cheias de 007s treinados em necromancia e reparo de HDs. 

Bob trabalha na Lavanderia, a agência secreta de Sua Majestade para assuntos místicos, mas sua vida não difere muita da de outros funcionários públicos.
Ele é só o cara que faz a manutenção dos micros e preenche relatórios à espera do Dia do Julgamento, ou da aposentadoria por tempo de serviço. O que doer menos. Até que um dia, ele se cansa e resolve se candidatar a agente de campo – e se fode geral.
The Atrocity abre a Laundry Series, na qual Stross joga os romances de espionagem de Le Carré, Fleming e Deighton dentro do absurdo universo de horror sobrenatural criado por H.P. Lovecraft. Isso sem esquecer no caminho alguns terroristas árabes, zumbis, nazistas do espaço sideral e algumas libras do estranho senso de humor inglês.
Um exemplo:
A prosa de Stross amalgama os gêneros de forma eficiente. Invés do glamour bondiano, os personagens estão enredados num labirinto burocrático de corar as baratas de Kafka que só realça o absurdo que os cerca. E Bob Howard está mais pra o Giovanni, do TI da Tribuna do Norte, do que para Daniel Craig.
À primeira vista, pode parecer uma mistura meio insólita, mas a edição da Orbit Books de The Atrocity traz um posfácio esclarecedor escrito por Stross sobre as obras que influenciaram seu trabalho. Para ele, os personagens de Lovecraft, em sua busca de misteriosos e perigosos conhecimentos, nada mais eram que investigadores do sobrenatural. Já os agentes secretos que lutavam por trás dos bastidores para evitar que a aniquilação nuclear fosse deflagrada devido a alguma intriga internacional viviam o verdadeiro romance de horror durante o auge da Guerra Fria.
Pode parecer coisa de um passado remoto, mas o Muro de Berlim caiu faz só 20 anos. E talvez hoje o equilíbrio entre as forças que podem deflagrar o fim do mundo sejam mais frágeis do que naquela época. Quem garante que sabemos realmente o que está se passando lá fora? O Google?
Ripa na chulipa
Não tem choro, nem vela. Se quiser acompanhar o que anda rolando de bacana nesse tipo de literatura, é melhor desenferrujar a cabeça e começar a ler em inglês. A vantagem é que, como os ‘civilizados’ lêem em quantidades bem mais elevadas, os livros importados chegam a ser mais baratos que os nacionais, dependendo do tipo de edição, por saírem em tiragens maiores.


Publicado Originalmente no site: Substantivo Plural

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