domingo, 3 de outubro de 2010

Predador

Sabe-se lá o que podemos encontrar no infinito espaço sideral. Desde que o homem se conhece por gente, imaginamos como serão as criaturas de outro mundo. A maioria acha que são pequenos, verdinhos ou cinzas, com olhos esbugalhados, que sequestram vacas e fazem experiências sexuais com ninfomaníacas. Estes seriam os alienígenas bonzinhos. Agora risque tudo isso, pois falaremos dos alienígenas que são pedreira, casca-grossa, aqueles que vêm pra cá com o único intuito de destruir e que enchem todo mundo de porrada, tiro e explosões. Bem, aí começamos a falar a nossa língua.
Tudo começa com uma nave viajando no tal espaço sideral. Ela deixa algo na terra, que adentra o planeta incandescente como um cometa. Logo depois aparece um Bell Iroquois UH-1 – helicóptero do exército americano – aterrissando em uma praia aparentemente pacata. Nesse momento somos apresentados a uma das equipes militares mais marrentas do mundo, daquelas que “missão dada é missão cumprida”. Sorrisos são proibidos, são coisa de bichinha, a não ser que você esteja rindo do seu inimigo sangrando esfacelado no chão. O grupo é liderado pelo Major Dutch, que também atende pela alcunha de Arnold Schwarzenegger, rei da ação-porradaria.
Dirigido por John McTiernan, Predador é um clássico absoluto do cinema-macho, praticamente um marco desse gênero. É um filme influenciado por Alien, O Enigma de Outro Mundo e todos aqueles que tratam de seres extraterrestres como monstros destruidores de humanos – esqueça Cocoon, ET e outros filmes queridinhos, aqui o furo é mais embaixo. Na verdade, o Predador é um dos melhores vilões de toda a história do cinema, ficando num panteão reservado a personagens como Darth Vader, Hannibal Lecter e o já citado Alien.
Pois bem. Dutch e cia. são chamados para uma missão de resgate, já que o helicóptero de um ministro caiu na selva e o exército acredita que o dito cujo se encontre nas mãos de guerrilheiros. Dillon (Carl Weathers), um velho conhecido de Dutch, teria indicado ao general responsável pela situação o grupo para a missão de resgate. Marombados, mascando fumo, de cara fechada e armados até os dentes, todos partem novamente em um UH-1 para o meio da floresta, numa viagem com Long Tall Sally, de Little Richard, de trilha sonora.
A música para e a trilha de Alan Silvestri entra em ação, enfatizando as batidas constantes dando o clima sonoro que só vemos nos filmes de ação-porrada desta época. A sonoridade mais presente em todo o decorrer da história, no entanto, é o som de tiros. O indiano Billy (Sonny Landham) e Dutch usam um rifle AR-15/SP1, sendo o primeiro com uma escopeta Mossberg 500 e o segundo com um lança-granadas M203 atracado embaixo. Já Bill Duke, que interpreta Mac, anda com uma metralhadora M60E3 parecida com a que vemos em Comando para Matar. O broncossauro troglodita Blain, personagem de Jesse Ventura, apelou para uma Minigun GE M134, metralhadora que atinge absurdos 3000 tiros por minuto. Dillon, Hawkins (Shane Black) e Poncho (Richard Chaves) usam uma Heckler & Koch HK94 na maior parte da missão. Convenhamos: dos dois elencos, as artilharias brilham muito mais.
Se as armas são coadjuvantes, a estrela do filme é o monstrengo alienígena. A construção do personagem se dá da maneira ideal, ele não surge até que seja realmente necessário, o que demora mais de dois terços do filme. De início vemos apenas o que ele faz com humanos: arranca toda a pele e pendura o resto de ponta cabeça em galhos. Aos poucos, a perspectiva da câmera muda e temos a visão em primeira pessoa do caçador estrangeiro, que enxerga a temperatura do ambiente. Diga-se de passagem, esse estilo de tomada foi uma grande jogada de McTiernan, aumentando o suspense e o mistério em torno do vilão. O maquinário do Predador faz com que os melhores soldados do mundo se pareçam com peixes presos num aquário. O bicho possui visão termal, miras a laser, uma arma de plasma atracada no ombro apelidada de Blow Dryer (por ser parecida com um secador de cabelo), camuflagem stealth (ele fica invisível e foi fonte para o item no jogo Metal Gear Solid, inaugurador do gênero stealth nos games), computador de pulso, uma armadura bio-mecânica, além de uma enorme rapidez e agilidade. Não, ele não é invencível, mas dá um baile e praticamente brinca com todos os seus inimigos.
A parada engrossa quando ele deixa Schwarzenegger irritado de verdade e temos uma das batalhas mais incríveis da sétima arte. Esqueça o desembarque na Normandia em O Resgate do Soldado Ryan ou os milhares de orcs em O Senhor dos Anéis, aqui o bicho pega de verdade. Em determinado momento do filme, Dutch percebe que não adianta usar armas potentes para derrotar seu inimigo. Ele está tão puto da vida que decide sair no braço com o monstrengo, um diabo invisível de outro planeta que atira lasers e tem visão termal. Ele decide enfrentá-lo com estacas, troncos de árvore e o próprio punho. Repetindo: invisível, lasers contra estacas e punhos… Porra, Arnoldão, PORRA! Tu é o cara!
O espírito do filme, ou melhor, do gênero em si propriamente dito se exemplifica perfeitamente em uma cena.: em uma ronda, Mac enxerga algo estranho na mata. Ao ir atrás, ele vê apenas os olhos do alienígena brilhar por um segundo e logo depois se mesclar novamente com a floresta. Nessa hora Mac dá um berro e começa a esvaziar os cartuchos de sua M60E3 nas árvores. Logo em seguida o resto do grupo chega ao local, e o que eles fazem? Não, eles não perguntam o que aconteceu. O bando simplesmente aponta para o mesmo lado, senta o dedo no gatilho e bota abaixo o cenário inteiro. Eles atiram com todas as suas armas abrindo um enorme clarão no meio da mata. Segundo a lenda, a contagem de balas nessa cena ultrapassa qualquer coisa já criada, algo como os “fucks” de Pulp Fiction. Afinal, eles não se enfiaram em um ambiente inóspito e hostil como este para conversar ou trocar palavras, e sim para meter chumbo em qualquer coisa que se mexa ou represente uma ameaça.
Predador não deixa de ser uma metáfora para a própria raça humana, que também caça e mata apenas para ganhar troféus ou simplesmente para se divertir. Sim, a gente também usa toda nossa prepotência, tecnologia e racionalidade para tais fins, mas raramente pensamos o que fariamos se fôssemos encurralados de tal maneira. Críticos amargos e puristas sempre reclamam que o cinema de ação dos anos 80 é apenas violência gratuita, sem cérebro e outras viadices que não valem a pena citar, e é possível assistir o filme por esse viés mais analítico. Porém, é extremamente divertido simplesmente aceitar que monstro invisível é mau e precisa ser exterminado antes que mate todo mundo. Não é reducionismo, é apenas diversão. Tampouco há intenção de incutir ou estimular a violência, é apenas uma alusão a homens que fazem feitos impossíveis, que no fim se transformaram em ídolos de toda uma geração.
Em 2005, a sonda Voyager 2 entrou na região final do sistema solar, levando consigo um disco de 12 polegadas feito de cobre e ouro. O tal disco contém várias imagens e informações sobre as sociedades e a cultura na terra, considerando a hipótese da sonda ser encontrada por seres de outros planetas. Se tivessem colocado no objeto o filme símbolo do gênero ação dos anos 80, esse filme seria Predador. Se alienígenas mal intencionados capturassem a sonda e ouvissem a história de Dutch, pensariam duas vezes antes de pôr suas patas sujas em nosso planeta.


Escrito por Marcus Vinícius Freitas para o blog Cinefilia

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